quinta-feira, dezembro 11, 2003

Descobrir os Baragouineurs

Torna-se difícil definir este projecto de Claude Darmor e Gilles Evilaine (creio que eles próprios têm alguma dificuldade). Sabemos que vivem na Bretanha e que nutrem de um amor profundo pela cultura tradicional da sua região francesa. Imaginem que estes senhores tinham ouvido os três interessantes álbuns projecto Megafone e decidido convertê-los, de uma forma extremada, à realidade bretã.

O resultado seria por certo BPM, um disco onde a boa disposição (o gozo à europop, à pop, ao rock, à dita world e a tudo o que se leva demasiado a sério) e, claro, o mais profundo nonsense coabitam de forma descarada. BPM uma vez que é de batidas por minuto que falamos, mais precisamente entre 90 e 160 bpm. Batidas das quais se usa e abusa, mas com bastante imaginação, de forma a não cansar os ouvidos, uma vez que as letras são, essas sim, quase incompreensíveis e estruturalmente repetitivas, como de resto é de toda conveniência no estilo musical em questão – música popular tradicional perfeitamente cantarolável. Exemplo disso são os temas inesquecíveis e carregados de antologia Le Tour Des DJ’s, Mon Père M’a Donné Un Mari, Ma Cousine Pauline e Les 2 Coqs.

O futuro passará certamente pela edição de uma gramática e de um dicionário monolingue Baragouin, sem esquecer o incontornável dvd com o concerto integral, a versão “cante connosco em karaoke”, “os vinhos recomendados da região para quem não gosta da nossa cerveja” e “aprenda a dançar as nossas impagáveis danças”, vertentes verdadeiramente lúdicas como bónus à componente musical. É mesmo caso de ouvir para crer. (site: Les Baragouineurs ; classificação: 9 em 10)

The Legendary Tiger Man

Hoje falo-vos do ex-Tédio Boys (e ainda Wray Gunn) Paulo Furtado na sua presente encarnação como one man band. The Legendary Tiger Man é, a meu ver, a mais promissora exportação nacional do biénio 2003-04.

Passo a explicar. Basta ver a agenda de concertos de Dezembro, para notar que o Paulo tem estado bastante ocupado com concertos em Portugal, Espanha e França, sabendo de antemão que passou recentemente quatro dias no Japão onde efectuou sete concertos. Vou pormenorizar então. Na Fnac de Rennes, capital bretã onde todos os anos acontece um dos melhores festivais da Europa, o Trans Musicales, o álbum de estreia Naked Blues de Legendary Tiger Man era, merecidamente, um dos incontornáveis destaques. Tal terá explicado o ambiente vivido na derradeira noite do festival no clube La Cité, onde cerca de mil e cem pessoas testemunharam uma das melhores prestações do evento, com direito a dois surpreendentes encores, plenamente suportados pela audiência e pelo programador do festival, Jean-Louis Brossard. Como sempre, o Paulo foi naturalmente expressivo e divertido, interagindo muito bem com o público quer fosse em francês ou em inglês. Aquela que foi a primeira actuação da noite, antes de nomes como Sébastien Tellier, Cody Chesnutt ou Melissa Auf Der Maur (ex-Smashing Pumpkins) conquistou totalmente o La Cité. Algumas horas depois, foi fantástico viver a empatia entre o artista que ama e compreende os Blues como a música mais importante do século XX e alguém que partilha da mesma opinião, e que tem muitas histórias para contar, muitos discos ouvidos, muita pesquisa e muitas entrevistas feitas nos vinte e cinco anos do Trans Musicales. Falo do sentido abraço entre o Paulo e o Hugues: magia pura e um dos mais belos momentos de um festival verdadeiramente memorável.

Para bem de uma época festiva em condições, não se esqueçam de comprar Fuck Chrismas, I Got The Blues - nas bancas, com o jornal Blitz dias 16 e 23 de Dezembro.